FAKE NEWS (ATÉ) NO FOOD SERVICE?

FAKE NEWS (ATÉ) NO FOOD SERVICE?

Vou iniciar este artigo propondo uma questão como aquelas que todos aqui já vimos alguma vez em uma prova de vestibular ou concurso público.

Vamos lá: imagine que você tenha uma população de dois milhões de pessoas vivendo em um centro urbano, com uma densidade demográfica de 7 mil pessoas por km².

Como faria para alimentar todo esse contingente com pelo menos três refeições diárias – nossos clássicos café da manhã, almoço e jantar –, entendendo que todos têm suas rotinas típicas de moradores de metrópoles (trabalho, escola, compras, compromissos sociais e lazer) e uma grande parte come fora de casa?

Deixaria cada pessoa/ família cultivar, produzir e transformar seu próprio alimento

Implantaria grandes fazendas nos bairros para suprir os moradores locais

Abasteceria pontos de venda, do varejo ao food service, com alimentos produzidos em larga escala e logística planejada para entregá-los diariamente (e até mais de uma vez ao dia)

Não está difícil “gabaritar” a questão, está? Se pensarmos de forma racional, considerando as demandas impostas pela forma como nossos aglomerados urbanos foram formados, com vizinhos dividindo o mesmo muro e com a verticalização dos edifícios que abrigam dezenas de famílias em terrenos de menos de 500 m².

Foi essa lógica de formação das cidades – com aglomeração nem sempre planejada e densidade cada vez maior de pessoas – que tirou o espaço de quintais, chácaras e fazendas.

Pois essa lógica evolutiva, que durante séculos vem tirando o ser humano do campo (veja o gráfico abaixo), criou o desafio do abastecimento de alimentos. Desafio este que fez surgir um grande ator da nossa economia: a indústria de alimentos!

Se não fosse a indústria de alimentos, com sua produção em larga escala de vários itens em um curto intervalo de tempo – aliada, claro, à eficiência dos distribuidores que abastecem bairro a bairro, rua a rua, todos os dias, nossos grandes centros urbanos –, como você imaginaria as pessoas se alimentando e armazenando comida?

Antes de prosseguir, quero deixar claro que não estou escrevendo aqui para polemizar ou para criticar quem defende a ingestão de alimentos na sua forma mais próxima possível do natural. Este artigo não é para isso.

“Ah, Jean, mas a comida industrializada contém aditivos, conservantes, faz mal para a saúde…” Será?

Ou será que é preciso rever conceitos (e preconceitos) relacionados a essa questão?

Digo isso porque eu mesmo, antes de trabalhar no food service, carregava essa visão em relação à comida produzida pela indústria. Mas esse meu preconceito foi sendo descontruído pouco a pouco depois de visitar, conhecer e (literalmente) colocar a mão na massa.

São 20 anos de consultoria J.Pontara atuando no dia a dia do food service. Por isso, posso dizer com segurança: tem muita, mas muita fake news espalhada e consolidada por aí sobre o alimento industrializado.

Mas por que isso acontece?

Como nasce uma fake news?

O nome pode ser recente, mas o fenômeno é tão antigo quanto a própria humanidade. Mentira, verdade e falsa verdade sempre acompanharam a evolução das nossas sociedades. Basta ler um pouco sobre a história das civilizações para ver quantos mitos, lendas, versões foram criadas sobre os mesmos fatos. E alguns nem eram fatos!

Voltando o foco para o que me levou a escrever este artigo, a indústria de alimentos também não poderia ficar fora dessa “desconstrução da verdade”.

Afinal, em tempos de polarização (ausência de equilíbrio e autocrítica) e de imediatismo de opiniões causado pelas redes sociais, nada mais fácil que “plantar” uma versão sobre determinado tema e ir alimentando aquilo até se tornar (ou parecer) uma verdade inquestionável.

Como disse acima, não quero aqui polemizar com quem defende uma dieta diária quase 100% natural, com a ingestão de alimentos sem qualquer processamento. Da mesma forma, não acho correto julgar (ou prejulgar) o alimento produzido em larga escala pela indústria sem conhecer, DE FATO, como ele é feito.

A minha colocação é outra. O meu foco é a logística. Mais uma vez: como alimentar milhões de pessoas diariamente, várias vezes ao dia, sem que isso seja feito em escala industrial?

Antes de tudo, é preciso desmistificar o que se pensa sobre o alimento processado pela indústria. Para isso, trouxe aqui dez pontos que levantei junto à ABIA – Associação Brasileira da Indústria de Alimentos:

O processamento ajuda a tornar os alimentos seguros para consumo, preservando ao máximo suas qualidades nutricionais e sensoriais.

Alguns métodos de processamento podem até mesmo melhorar a qualidade nutricional ou fazer com que ela não diminua ao longo do tempo de validade do produto.

Cozinhar na indústria é muito semelhante ao cozinhar em casa: o que muda são as quantidades, a tecnologia de ingredientes, processos e equipamentos

Na indústria, há controle sanitário e foco na eficiência da utilização de recursos (água, energia, insumos etc..

Tudo, dentro da fábrica, é rigorosamente calculado, checado, testado e controlado o tempo todo.

As condições de processamento estabelecidas para cada alimento têm a finalidade de eliminar todos os micro-organismos patogênicos e a maior parte dos que possam causar deterioração.

Os processos utilizados são baseados nos princípios de conservação — uso de calor, frio, remoção de água e acidificação — justamente para garantir a segurança dos consumidores.

A humanidade processa alimentos desde a descoberta e o domínio do fogo (2,5 milhões de anos a.C.): processar é evoluir.

As indústrias brasileiras produzem 250 milhões de toneladas de alimentos por ano, e 74% desse total é para o abastecimento do mercado interno.

Mais de 88% das vendas da indústria são de alimentos do dia a dia, como as proteínas (carnes e ovos), os cereais, chá e café, laticínios e derivados do trigo (massas e pães).

Caseiro bom, industrial ruim. Será que é sempre assim?

Avaliando as duas imagens acima, só tenho a dizer que é preciso ter senso crítico na hora de criticar. Foi uma tentativa de trocadilho, mas o assunto é muito sério. É possível, sim, defender ideias e estilo de vida sem criar verdades paralelas sobre temas dos quais não se tem conhecimento ou apenas um conhecimento superficial.

Eu poderia ter invertido as imagens, colocando uma indústria com problemas sanitários na manipulação dos alimentos ao lado de uma cozinha caseira com todos os cuidados de assepsia. Mas a questão aqui não é “um lado contra outro”, e sim o bom senso na hora de entender e avaliar cada modelo, cada solução.

A você, operador e transformador, que está na ponta do food service abastecendo as mesas do seu estabelecimento, eu convido para que me ajude a quebrar essa visão que se construiu sobre o alimento processado na indústria. Afinal, a partir do momento em que você inicia a cocção de um ingrediente, ele já está sendo processado.

E tem sido assim desde que um desconhecido ancestral nosso acendeu a primeira fogueira. E isso faz tempo.

Vamos alimentar esse debate?


JEAN PONTARA é um dos maiores especialistas em Vendas e estratégia de Go To Market ao Food Service de todo o Brasil. Atualmente, é embaixador da Fispal Food Service e há quase 20 anos, é sócio da Consultoria J.Pontara, em que tem criado estratégias, implantado projetos e formado equipes para Distribuidores, Atacadistas, Indústrias, Cash&Carry, Fabricantes de Equipamentos, Empresas de Tecnologia e Fundos de Investimentos, com uma experiência ímpar na área.

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